17-04-2019
O grupo de Engenharia Biomolecular da UCIBIO, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa (FCT-NOVA), liderado por Cecília Roque, mostrou que a gelatina pode ser mais do que um alimento. Pela primeira vez, a gelatina foi usada como base para o desenvolvimento de materiais que, combinados com ferramentas de inteligência artificial, conseguem imitar o sentido do olfato num nariz eletrónico. Os resultados deste estudo de investigação foram publicados hoje na revista científica Materials Today Bio.
No olfato, os compostos voláteis, que compõem os odores, ligam-se a proteínas olfativas presentes no nariz. Estas ligações resultam em sinais elétricos que são enviados para o cérebro, onde ocorre um reconhecimento de padrões e a consequente identificação do odor (Imagem 1). O nariz eletrónico é um dispositivo que deteta gases imitando o sentido do olfato e espelhando a orquestra biológica de proteínas olfativas e os processos de computação cerebral usados no reconhecimento de odores, através da combinação de sensores químicos com inteligência artificial. Os narizes eletrónicos convencionais usam materiais metálicos semicondutores e polímeros sintéticos para a deteção química, estando associados a uma baixa seletividade e a uma elevada pegada de carbono.
O grupo de investigação liderado por Cecília Roque introduziu recentemente o conceito de géis formados por uma combinação de gelatina com cristais líquidos - amplamente presentes nos LCDs dos nossos televisores e telemóveis - resultando num material ótico que é ativado por estímulos externos como odores (Imagem 2). Ao implementar um classificador automático de odores, baseado em algoritmos de inteligência artificial, o estudo publicado mostra que estes géis conseguem distinguir compostos voláteis com estruturas muito semelhantes, como a acetona e o etanol.
“Os cristais líquidos estão ordenados nos géis. Na presença de compostos voláteis essa organização é alterada, produzindo sinais óticos típicos de cada odor, tal como uma impressão digital”, explica Carina Esteves, uma das primeiras autoras do estudo. Gonçalo Santos, o outro primeiro autor, acrescenta que “para aplicar algoritmos de inteligência artificial a estas impressões digitais de odores e construir um classificador automático, tivemos primeiro de ensinar o nariz eletrónico a reconhecer os sinais de cada odor. Assim, quando o sistema é exposto a uma amostra desconhecida, consegue identificar com bastante precisão qual é o odor”.
“Este é a primeira evidência de um sistema inteligente de deteção de gases utilizando materiais à base de gelatina. O nosso estudo reforça a importância de componentes simples, como gelatina e cristais líquidos, para desenhar materiais funcionais inteligentes que respondem a estímulos externos. Embora tenhamos explorado a aplicação dos géis no olfato artificial, uma área cada vez mais relevante para diagnóstico clínico não invasivo, existem muitas outras aplicações interessantes, como por exemplo em bio-electrónica e robótica”, refere Cecília Roque, coordenadora deste estudo e também professora na FCT-NOVA. Este trabalho de investigação foi desenvolvido no âmbito do projeto SCENT com financiamento concedido pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC - European Research Council).
Imagem 1. Analogia entre o olfato biológico e artificial.
Imagem 2. Exemplo de um filme de gelatina e imagem obtida ao microscópio de gotas de cristal líquido encapsuladas no gel.
Reference of the publication
Carina Esteves*, Gonçalo M. C. Santos*, Cláudia Alves, Susana Palma, Ana R. Porteira, João Filho, Henrique M. A. Costa, Vitor D. Alves, Bruno M. M. Faustino, Isabel Ferreira, Hugo Gamboa, Ana C. A. Roque.
Effect of film thickness in gelatin hybrid gels for artificial olfaction, Materials Today Bio. 2019
* Os autores contribuíram de forma igual para o estudo
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